A Bailarina de Cecília Meireles, poemas recortados e os murais de escola



Eu me lembro de não gostar muito de poesia quando era criança. Na escola em que estudei, uma pequena escola de bairro cujo nome dado a ela homenageia o décimo quinto prefeito da cidade em que nasci, Itumbiara, chamado Adelino Lopes de Moura. Na minha época de estudante dos anos iniciais, década de 1987, a escola possuía quatro salas construídas com placas pré-moldadas e piso vermelho feito de cimento queimado. Lembro-me daquele chão polido na cor do sangue, tão lustrado que reluzia nossos tênis e as caretas que fazíamos diante dele. E quando corríamos pelo pátio manchávamos com rajadas de escorregão aquele piso encerado.


Naquela época cantávamos e dançávamos músicas lúdicas antes das aulas serem iniciadas. E lembro-me que ao invés de prestar atenção no que as instrutoras nos indicavam para fazer, eu deixava fugir o meu olhar para os cartazes exageradamente produzidos, cheios de florões de seda, camurça e papel crepom.

Num desses cartazes de cartolina havia um desenho feito à mão livre, o desenho de uma bailarina de cabelos louros a ilustrar o poema também escrito à mão. O poema se chama A bailarina, aquele bem famoso da poeta Cecília Meireles. Apesar de ter lido aquele poema por várias vezes, ora na entrada, na saída, no recreio ou no momento da ginástica laboral com cantigas, eu nunca o decorei, ficava com o olhar preso nos detalhes disformes nos pés daquela bailarina feia de bracinhos assimétricos elevados para o alto.

Aprendi a gostar de poesia quando já estava no Ensino Médio, com Gregório de Matos. E passei a ter o hábito de garimpar livros descartados para emoldurar os poemas de que gostava em molduras de papel. Aqui seguem dois dos sobreviventes: Nunca de Biafra e o Inverno de Sérgio Caparelli. É impressionante a capacidade de transformação das formas, da cor e da textura do papel, e também a nossa capacidade de julgar a técnica e qualidade de alguma coisa. E mais impressionante é conseguir acessar, ainda que parcialmente, fragmentos de um tempo vivido quase de forma inconsciente ao ponto de, por pouco, chegar a sentir o que se sentia.





Nunca

Aprendi que, depois do horizonte,
há mais horizonte.
Aprendi que não existe limite,
a não ser o nosso próprio limite.
Aprendi que não existem mortes,
mas vida que sai de dentro da vida.
Apesar de todo o esforço do homem,
ele nunca encontrará a morte absoluta.

(Biafra, Antologia da Nova Poesia Brasileira, p. 45, Editora Hipocampo, Rio, 1992)



Inverno

Nesses dias de inverno
em que a chuva fustiga a vidraça,
sonho desperto, as mãos
na nuca. Olho o teto, a praça,
e cavalgo uma moto possante
pelas estradas do Sul.
Treme de febre o pampa,
treme a cordilheira e o Aconcágua.
Estico minha ânsia sob o sol e neve,
cuspo salitre
e vomito este Pacífico
que me persegue.

(Sérgio Caparelli, Rastros de Arco-Íris, p. 64, L&PM Editores, Porto Alegre, 1985).

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